Autores: Dra. Luciane Costa, odontopediatra PhD; Dra. Naraiana Tavares, psicóloga PhD; Dr. Paulo Sucasas, pediatra PhD – especialistas da Mamãe Pingo.
Nos últimos dias, o uso de paracetamol durante a gravidez voltou a ganhar espaço nas manchetes, levantando dúvidas e receios em muitas mães. Mas o que a ciência realmente diz sobre essa relação com o autismo? É hora de olhar para os estudos com calma e sem culpa.
O que motivou a polêmica sobre paracetamol e autismo
Recentemente, a agência regulatória dos Estados Unidos (FDA) anunciou que incluiria nos rótulos de paracetamol uma observação sobre possível associação com autismo. Esse tipo de alerta, no entanto, não significa que exista causa comprovada.
A divulgação acabou sendo amplificada por declarações políticas e manchetes alarmistas, mas especialistas reforçam: a ciência não confirma que paracetamol cause autismo [1].
O que dizem os maiores estudos científicos
Estudos de grande porte – com quase 2,5 milhões de crianças na Suécia e mais de 200 mil no Japão – não encontraram associação entre uso de paracetamol na gravidez e risco de autismo.
- A diferença entre filhos expostos e não expostos foi mínima (1,42% vs. 1,33%).
- Nas análises entre irmãos (quando um foi exposto e outro não), não houve aumento de risco [1].
Alguns trabalhos menores chegaram a sugerir uma ligação. Mas há uma explicação importante: esses estudos podem não ter conseguido controlar os chamados fatores de confundimento.
👉 O que são confundidores?
São outras condições que acontecem ao mesmo tempo em que a mãe usa o medicamento e que também podem influenciar o risco de autismo.
Por exemplo: muitas mulheres tomam paracetamol na gestação porque tiveram febre ou infecção. E já sabemos que a própria febre pode estar associada a um risco maior de autismo.
Ou seja: nesses casos, não dá para afirmar se foi o remédio ou a condição que motivou o uso que realmente influenciou o resultado. Quando estudos maiores ajustam esses fatores — ou comparam irmãos (um exposto e outro não) — a associação desaparece.
Paracetamol é seguro na gestação?
O paracetamol é um dos medicamentos mais estudados e utilizados na gravidez no mundo todo. Ele é considerado a opção mais segura para controlar febre e dor durante a gestação.
Suspender o uso por medo pode trazer riscos sérios: febre alta não tratada na gestação está associada a complicações para o bebê. Por isso, qualquer decisão deve ser tomada junto ao profissional de saúde.
Então, o que pode influenciar o risco de autismo?
Fatores genéticos
A ciência mostra que a genética é o principal fator: centenas de genes estão envolvidos no risco de autismo. Essas alterações podem ser herdadas ou surgir de forma espontânea [2,3].
Fatores ambientais durante a gestação
Algumas condições podem aumentar modestamente o risco, como:
- Idade avançada dos pais (principalmente do pai).
- Hipertensão, pré-eclâmpsia e sobrepeso materno.
- Uso de ácido valpróico (um anticonvulsivante).
- Prematuridade e baixo peso ao nascer.
- Infecções maternas que ativam processos inflamatórios [2,3].
São fatores que interagem com a genética, mas nenhum deles explica o autismo sozinho.
O que NÃO causa autismo (e a ciência já provou)
- Vacinas não têm relação com TEA. Uma coorte dinamarquesa com 650 mil crianças mostrou que, inclusive, a prevalência foi maior entre não vacinados [3].
- Paracetamol não é causa comprovada. As evidências mais robustas mostram ausência de relação significativa [1].
- O aumento dos diagnósticos se deve principalmente a maior conscientização e a critérios mais abrangentes para identificar pessoas dentro do espectro [1].
Conclusão: informação sem culpa
O autismo é um transtorno do neurodesenvolvimento de causa multifatorial, em que a genética tem o peso central e fatores do ambiente modulam esse risco.
👉 O que não ajuda é a culpa. Culpar a mãe por tomar um medicamento seguro ou por vacinar seu filho não é ciência, é desinformação.
O que ajuda, sim, é garantir pré-natal adequado, acompanhamento pediátrico de qualidade, diagnóstico precoce e acesso a terapias que favoreçam o desenvolvimento da criança.
Na Mamãe Pingo, acreditamos que ciência e acolhimento caminham juntos: informação clara para que famílias possam decidir com segurança e sem peso desnecessário. 💛
Box explicativo: o que este estudo de revisão fez de errado
Um estudo de revisão publicado recentemente em uma revista de Saúde Ambiental reuniu diferentes pesquisas sobre o uso de paracetamol na gestação e risco de autismo. Ele trouxe transparência em muitos pontos, mas tinha limitações importantes:
- Os estudos incluídos eram muito diferentes entre si: alguns usavam relatos das mães, outros biomarcadores; a duração do uso variava; e até as formas de medir o autismo não eram comparáveis.
- Os próprios autores reconheceram essa heterogeneidade, mas mesmo assim afirmaram haver “forte evidência” de associação.
- O grande problema: não controlaram bem os fatores de confusão. Por exemplo, mulheres que usam paracetamol porque tiveram febre já têm, por si só, um risco diferente, e isso pode distorcer os resultados.
- Dos seis estudos analisados, apenas um não tinha viés importante. Mesmo assim, a revisão deu mais peso às associações positivas do que às falhas metodológicas.
👉 Em resumo: esse estudo ajudou a chamar atenção para o tema, mas exagerou nas conclusões. Ao sugerir causalidade sem conseguir lidar com os vieses encontrados, acabou gerando mais confusão do que clareza.
Referências
- Pearson H, Ledford H. Trump links autism and Tylenol: is there any truth to it? Nature. 2025 Sep 22. doi:10.1038/d41586-025-02876-1.
- BBC Future. The genetic mystery of why some people develop autism. 2025 Apr 15. Disponível em: https://www.bbc.com/future/article/20250415-the-genetic-mystery-of-why-some-people-develop-autism.
- Sociedade Brasileira de Pediatria. Departamento Científico de Pediatria do Desenvolvimento e Comportamento. Transtorno do Espectro do Autismo em Pediatria: etiologia, triagem e diagnóstico. Manual de Orientação. N. 176, out. 2024.